sábado, 15 de dezembro de 2007

NIETZSCHE E O ASCETA

Na amplíssima crítica que Nietzsche desenvolveu contra os chamados valores ocidentais, nem a vida do asceta, do homem santo, tão admirada e enaltecida pelo cristianismo, escapou do arguto e contundente olhar do filósofo. Aqueles a quem a maioria das pessoas identificava como representantes da mais pura e impressionante das atitudes - o completo e radical repúdio aos prazeres da vida - , apresentavam-se aos olhos dele, de Nietzsche, como um exemplo de uma forma extremada da orgulhosa vontade de poder. Nietzsche, a revolta contra a flagelação da carne

A guerra ocasional do asceta

Nietzsche disse no seu livro Humano, demasiado humano, de 1886, que, para tornarem suas vidas mais suportáveis e também mais interessantes, os homens santos ou os ascetas, tratavam de travar "guerras ocasionais" contra o que chamou de seus "inimigos internos". Ao tomar consciência de que eles também não estavam livres da vaidade, que o desejo de glória não lhes era estranho, e que, inclusive, até eles eram acometidos por apetites sensuais, explicava que a existência do asceta resumia-se numa contínua batalha onde se enfrentam o bem e o mal. Numa desastrada guerra travada entre o corpo e a mente. Por desconhecerem ou reprimirem os prazeres da carne, jamais satisfazendo as exigências do sexo, os anacoretas passam a ser permanentemente atormentados por sonhos delirantes, por fantasias eróticas as mais escabrosas e dissolutas. Os pobres santos, em sua volúpia pelo martírio, desconheciam de que era justamente a ausência de sexo que fazia com que fossem assolados por tentações e pesadelos de toda ordem.

A dura vida da ascese

Para exaltar ainda mais a vitória deles sobre a sensualidade (a representante mais ativa do demônio), e para impressionar os não-santos, os ermitões, para valorizar-se, difamavam-na e a estigmatizavam, associando-a, a excitação, ao pecado e ao mal. Ao espalharem que o homem era gerado em pecado, fizeram com que qualquer ser humano, desde o seu nascimento, nos princípios mesmo da sua vida, se sentisse marcado pelo sinal da transgressão, porque até o ato que os gerava, conúbio carnal, foi denunciado por eles como algo repugnante. É de se imaginar, pois, o enorme estrago que tal doutrina, assumida na plenitude por Santo Agostinho, não provocou nas famílias cristãs, deixando em cada crente uma sensação ininterrupta de má consciência. Estigma que revelou-se em sua plenitude no verso de Calderon de la Barca: "a maior culpa do homem é ter nascido".

Empédocles, a tolerância do sábio pagão

Se bem que é comum às religiões pessimistas condenarem o ato da procriação como uma coisa ruim, Nietzsche recorda que Empédocles, o grande filósofo de Agrigento (494-444 a.C.), um símbolo da tolerância sexual dos pagãos, nada conheceu de vergonhoso ou satânico na existência das coisas eróticas. Bem ao contrário. Para ele era justamente Afrodite, a Vênus, quem trazia esperança e salvação para a vida medíocre e sensabor da maioria das pessoas, resgatando-as da discórdia em que normalmente se condenavam. O sexo, enfim, não escraviza, liberta!

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