sábado, 15 de dezembro de 2007

A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM

"Was gross ist am Menschen, das ist, dass er eine Brücke und kein Zweck ist: was geliebt werden kann am Menschen , das ist, dass er ein Übergang und ein Untergang ist"

"A grandeza do homem é ser ele uma ponte, e não uma meta; o que se pode amar no homem é ser ele uma transição e um ocaso." - F.Nietzsche - Assim falou Zaratustra, I,4

Num primeiro momento da história espiritual do homem, pelo menos o de espírito sadio, ele não passa de um camelo, que, como o desgraçado animal, apenas ajoelha-se e agradece quando lhe dão uma boa carga. Carrega pelo deserto as culpas por ter nascido. Na sua humilde corcova avoluma-se as penas do mundo, sobrecarregado pelas regras morais e pelas imposições que lhe fazem, que lhe dizem - tu deves (Du-sollst!)! Porém, no deserto, isolado, dá-se uma transformação. O camelo vira um leão. É o espirito que, liberto, quer ser "o senhor do seu próprio deserto". Agora é ele quem, rugindo desafiante, responde - eu quero! (Ich will!). Se bem que o leão não consiga ainda criar os novos valores, ele pelo menos, assentado na sua força e vigor, sacode para fora a canga que afligia o pobre camelo. Dá-se então a derradeira transformação - o leão vira criança. Sim porque a criança é esquecimento, é um novo começo, é o embrião do super-homem que, ao crescer e desenvolver-se, "quer conseguir o seu mundo".
O camelo (Kamele)
O espirito do homem na sua época religiosa e cordata, conforme com seu destino de animal de carga, submetido ao grande dragão. - Encontra-se sob o imperativo do "Tu deves!"
O leão (Löwe)
A emergência do espirito de rebeldia. A insubordinação contra os valores tradicionais e contra as imposições morais e convencionais. - Afirma-se através do "Eu quero!"
A criança (Kind)
A nova era que nasce. O tudo por fazer que se descortina numa nova situação, num mundo novo que se livrou do passado opressivo. - "Ele alcançará!"

Os inimigos do profeta

Zaratustra é um celebrante da carnalidade, um pregador da vida vivida, da sensualidade, do prazer de dominar, ou do simples gozo em existir. É o grito do instinto sufocado! Por conseqüência, seus inimigos são os que detestam a vida, os "acusadores da vida" (Ankläger des Lebens), os que reprimem e condenam a volúpia, os que dizem que as pulsões humanas são artes do demônio, os que pregam o Outro Mundo, como os sacerdotes e os moralistas, que insistem em fazer com que o homem envergonhe-se do seu próprio corpo e das suas sensações, chamando-as inumanas, imundas e pecadoras.

O profeta quer o diferente, o que se distingue, o que se vangloria, o altivo com justa razão, o indivíduo soberano e viril, não as massas que "trazem mau olhado à Terra". Suas palavras não devem ser "apanhadas por patas de carneiros". Logo todos os democratas, os pregadores da igualdade e correlatos, são seus adversários, os odiados inimigos. Pois o mundo "gira ao redor dos inventores de valores novos" (die Erfinder von neuen Werten dreht sich die Welt), da Personalidade Magnífica e não do homem comum, que vive discursando - "somos todos iguais perante Deus ". Ora, como deus morreu o homem superior ressuscitou da sua sepultura. É para ele que a luz do futuro brilha.

É tudo um só mundo

Não há para o profeta dois mundos, o de cá e o de lá, nem corpo separado da alma, nem bem nem mal. Tudo é uma coisa só. Carne é espirito, a terra também é céu, o mal também é o bem. O homem imaginou haver um além porque ele sonha, e no seu sonho - "vapor colorido diante dos olhos" - lhe aparecem fantasmas dos mortos e das coisas passadas, por isso ele, iludido, concebeu um Outro Mundo. Ingrato, ao invés de exultar com a existência recebida, percorre os céus com os olhos supersticiosos atrás de uma estrela, acreditando ir parar ao seu lado no futuro.

Seguidor de Heráclito - que via o Cosmo um produto do agón, da luta -, Zaratustra assegurava que toda a batalha a ser travada é uma bem-vinda guerra terrestre na qual o super-homem (expurgando ou afastando de si os sentimentos caritativos e piedosos, afirmando-se sobre si mesmo com os valores que ele mesmo criou) se lançará na conquista do devir. Mas, adverte, antes do super-homem atingir esse futuro, haverá o crescimento do deserto - uma grande ameaça ao oásis onde se homiziava o homem superior.

O filho de Zaratustra

No final do canto de Zaratustra (Parte IV - o sinal), depois do profeta ter dispensado os grandes dignatários (rei, imperador e o papa), não identificando neles os sinais do super-homem, ele projeta aquele que advirá. A sua nobreza não é resultado de títulos, nem de sangue. O Übermensch é o que irá superar o homem e, para tanto, já expurgou de si toda a fraqueza e vilania tão comum aos humanos. Ele não tem pejo em querer vingar-se, nem se envergonha em ter ódio, sabe que se almeja a alegria também terá que suportar o sofrimento. Mas nem os homens superiores que o profeta encontrou pelo caminho o satisfazem.

"Pois bem!", disse ele, "estes homens superiores adormecem enquanto eu estou desperto. Não são os meus verdadeiros companheiros". O viajante (der Wanderer) após ter percorrido uma longa peregrinação, na qual esgrimiu-se em mil encontros e outros tantos percalços, recolheu-se de volta ao seu ermitério. Sentado na pedra em frente a gruta ele pede que cantem "Outra Vez", porque ele afirmava o Eterno Retorno das coisas. Tudo o que aconteceu nos remotos tempos voltaria a ocorrer - a história é um circulo não uma ascensão! Palavras como honra e nobreza certamente voltarão a reluzir.

A hora de Zaratustra

Com seus cabelos embranquecidos eriçados pelos vôos dos pássaros, o sábio sentiu que o leão estendido aos seus pés recostara a cabeçorra dourada no seu colo, lambendo as lágrimas que escorriam pelas suas mãos. O vidente estava exausto. Afinal ele era um montanhista (ein Bergsteiger) que detestava as planícies. Meditando, Zaratustra foi tomado de súbita emoção. Sentiu-se maduro porque que soara a sua hora, a sua alvorada - o Grande Meio-Dia chegara. O anúncio, o sinal de que o super-homem estava por vir fez com que ele, lépido, aspirando somente a sua obra, deixasse a sua gruta. Assim como o alvorecer sai por detrás das montanhas escuras, ele saiu para ir receber o seu filho.

Dies ist mein Morgen, mein Tag hebt an: berauf nun, berauf, du grosser Mittag! - Also spracht Zarathustra, und verliess seine Höhle, glühen und stark, wie eine Morgensonne, die aus dunklen Bergen Kommt.

Um comentário:

Unknown disse...

Li o livro todo Mas terminei sem entender algumas coisas que consegui compreender aqui. Obrigada. Muito Bom o texto.