sábado, 15 de dezembro de 2007

A Problematicidade de Deus em Nietzsche

“Já ouviu falar daquele louco que acendeu uma lanterna numa manhã clara, correu para a praça do mercado e pôs-se a gritar incessantemente: “Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!". Como muito dos que não acreditam em Deus estivessem justamente por ali naquele instante, ele provocou muita risadas... “Onde está Deus!”, ele gritava. “Eu devo dizer-lhes: nós o matamos – você e eu. Todos somos assassinos... Deus está morto. Deus continua morto. E nós o matamos...”

- (Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência (1882), parte 125.)


Nietzsche, em seu filosofar, não pode ser identificado como um filósofo portador de um discurso periculoso e trágico. Pelo contrário, essa suposta carga negativista e pessimista que se verifica nos seus escritos, ressoam, em quase todas as suas abordagens, como um manifesto de reivindicação e de superação da condição existencial humana. Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche destaca a necessidade do anúncio do super-homem. Nele, Zaratustra, seu personagem principal, proclama a falência da civilização e a aurora de uma nova era. É o anúncio de que o homem deve superar a si mesmo, à sua potencialidade negada. Procurando sacudir o velho homem, que vivia enclausurado no seu pessimismo e ilusão, o novo pretende ser substituto daquele. O superar típico do super-homem, entendido como ato de abertura para o nada ou para o sagrado, nada mais é do que a própria vontade de poder. O super-homem como superação implica a dimensão do divino, que, segundo Nietzsche, seria um “ponto” na vontade de poder. Sendo assim, o divino não é uma coisa separada do homem, tampouco uma realidade para fora de si e que tem poder de manipulação, mas o divino e o humano se encontram no ato contínuo e ininterrupto de superação do objeto conhecido e, por conseguinte, na consciência do não-poder em relação ao não-objeto, isto é, ao nada (Penzo, 1999).

Desta forma, é revertida a concepção metafísica do conhecer como esperança e a de Deus como causa última de segurança. Para Nietzsche, a segurança na raiz metafísica leva o homem a experiênciar a convicção e a segurança, levando-o a ver Deus como objeto último de sua esperança, donde provêm a sua fé e a sua verdade absolutizada. Nessa linha, seria catastrófico para o homem, sedimentado em terreno metafísico, ouvir a proclamação da morte de Deus, pois ela acentua a natureza do medo e da dramaticidade existencial, visto que pensar na sua ausência assinalaria o declínio da esperança e o estabelecimento da incerteza. O anúncio da morte de Deus, portanto, não se trata de propagar idéias anti-teístas. Não pretende ser a disseminação do ateísmo. Mas em erigir um novo conceito sobre o homem e sobre Deus. A morte de Deus, para Nietzsche, representa o fim e o declínio da formulação do Deus que a metafísica clássica ocidental construiu: o de ser absoluto e supremo. Quer dizer que a idéia do Deus do cristianismo deveria morrer na consciência do ser humano enquanto mantenedor do sistema tradicional de valores. Como resultado disso, alguém deveria ocupar o seu lugar – o próprio homem.

No passado, o ser humano obedecia irrestritamente ao “farás” e “não farás”, da parte de Deus ou dos códigos doutrinais rigidamente patrocinados e construídos pela religião burocratizada. Para Nietzsche, esse ditos e sentenças estavam com os dias contados. Uma nova ordem de valores estava para ser estabelecida. O homem não mais podia se inclinar aos mandamentos divinos. Mas deveria ele mesmo conduzir os seus próprios desígnios. Somente ele é que poderá fazer as suas escolhas. E, acima de tudo, optar por uma delas, sejam elas boas ou más. É o que Nietzsche emblematicamente denomina de: “a transvalorização de todos os valores”. Os valores antigos e tradicionais caducaram. Esse arcaicos valores devem ceder espaço para o surgimento de novos valores. Não mais centrados em afirmações religiosas ou metafísicas. Mas redigidas e assinadas pelo próprio homem. Porém não é qualquer homem. Tem de ser um homem superior. Não o que prometa felicidade e gozo na transcendentalidade, mas concretamente, existencialmente. Este homem superior, portanto, é o Ubermensch, literalmente homem superior, passando a ser denominado também de super-homem. Entretanto, esse super-homem não tem qualquer conexão com o herói em quadrinhos.

Nas reflexões de Nietzsche, este homem superior era proveniente do desenvolvimento da humanidade num sentido darwinista. Ele aceitava as idéias de Darwin no que tange ao processo seletivo e natural da vida, no qual as espécies mais fracas são aniquiladas e as mais fortes sobrevivem para produzir espécies mais fortes ainda.

A teoria evolucionária de Darwin fundamenta e alimenta os pressupostos nietzschianos, sobretudo em relação ao homem superior. Porém, ele não pensou apenas numa nova raça desenvolvida nos níveis educacional ou espiritual que partisse do inferior para o superior. Ele tomou a idéia de Darwin literalmente. Pensava que o homem superior haveria de ser fisicamente mais forte. Deveria ter poder no soma [corpo] e na psique [alma]. Metaforicamente, deveria ser uma espécie de “besta-fera”, um centauro [metade gente, metade animal], bastante desenvolvido intelectualmente, não irracional, mas poderoso, representando, assim, uma nova formatação existencial completamente acima e superior do homem europeu massificado. O homem massificado evita a qualquer custo a controvérsia. É conformista, indiferentista e não têm preocupações supremas, acha a vida aborrecida e é cínico e vazio. É o que chama de niilismo (ex nihilo), para o qual a nossa cultura se dirige (Tillich). A bem da verdade, ao anunciar o super-homem como superação de si mesmo, Nietzsche sublinha e apresenta, em Assim falou Zaratustra, uma nova transcendência filosófica, pautada no nível existencial, na qual se abre o horizonte “nadificado” entendido positivamente, que se resolve como o horizonte do sagrado.

Assim, em seu pensamento sobre o sagrado, Nietzsche observa que a morte de Deus é um acontecimento cultural, existencial e extremamente necessário para purificar a face de Deus e, por conseqüência, a própria fé em Deus. Deste modo, Nietzsche não mata Deus. Mas limita-se a constatar a ausência do divino na cultura do seu tempo, acusando, pelo contrário, por essa ausência e morte, a teologia metafísica. Com base na rejeição da tese da fé-segurança, que a priori funda-se numa certeza típica da ciência, Nietzsche também crítica o espírito que levará a secularização inautêntica ou ao secularismo do cristianismo.

Logo, matar a Deus significa, noutras palavras, matar o “dogma”, o “conformismo”, a “superstição” e o “medo”, é não aceitar mais a imposição de regras cristalizadas, que impossibilitam a superação e a transcendência, além da auto-afirmação do ser humano, que luta incansavelmente para libertar-se elevar-se em sua saga existencializada.

Referências Bibliográficas

COPLESTON, Frederick S. J. Nietzsche: filósofo da cultura. Coleção Filosofia e Religião, Porto, Portugal, Livraria Tavares e Martins, 1953.

MARTON, Scarlett. Nietzsche. 4ª ed., In: Coleção Encanto Radical, São Paulo, Brasiliense, 1986.

PENZO, Giorgio. O divino como problematicidade. In: Deus na filosofia do século XX, São Paulo, Loyola, 1999.

TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. Trad. Jaci Maraschin, 2ª ed., São Paulo, ASTE, 1999.

[http://www.geocities.com/Athens/4539/deusestamorto.htm]

12 comentários:

Henrique Silva disse...

Incrível como isto ainda rende no imaginário popular. Acho que ele sempre soube o quanto isto seria discutido, a necessidade de explicação de que não se trata de matar a existência de Deus, mas matar o que ela representa no existir per se, como uma factum social.

No entanto, sempre acho que pouco irônico o quanto eu (particulamente e tão "ninguém" que sou) vejo como uma ilusão quase pueril dele achar que um dia isto será admitido... que seremos homem além do homem, que seremos livrados totalmente das garras dos princípios que regem o temor a Deus. É assim desde sempre e em toda a parte do mundo. É frustrante, mas não é um pouco maduro admitir inclusive que certas coisas realmente mudam sem ter do ir embora?

Unknown disse...

Por favor, troca essa foto é muito nojenta.....Acho que NIETZSCHE não merece ok!!!

Rafael disse...

Grande, gostei do blog. Curti o seu texto. Agora, quero pedir também que troque a foto, que realmente não cabe ali, porque revolve em nosso estômago este nietzsche reptiliano, e não é porque é nietzche, ou quem quer que seja, é a textura que enoja.

Mas o texto está ótimo... queria inclusive trocar umas idéias contigo, por msn... ou email. Sobre filosofia.

Abraço.

Caue Beloni disse...

Muito bom texto, apenas acrescento que essa definição da seleção natural a partir do forte/fraco, é um termo agressivo, sugiro ao autor usar o conceito em que a seleção natural beneficia o melhor adaptado.

Caue Beloni disse...

Parabenizo o ótimo blog, acabo de ler quase completamente, conteúdo muito útil e esclarecedor. Obrigado.

Gerrard disse...

Ei pô troca essa foto, sem noção!

Anônimo disse...

Que troca a foto, sem noções são vocês.. o texto está falando de valores e etc... A foto pode ser feia pra vocês ...

Almeida Júnior disse...

Precisou de livro para enunciar uma idea tao trivial ? Só era isso ?

Almeida Júnior disse...

Precisou de livro para enunciar uma idea tao trivial ? Só era isso ?

Unknown disse...

Só me pergunto, em que moralidade esse super homem se baseia? De onde ele tira a sua ética? Se o objetivo é a sobrevivência, o que impediria, por exemplo, homicídios, roubos? A sobrevivência seria o "além do bem e do mal?"

Edmilson Santos disse...

Raridade. Até que enfim, alguém inteligente que conseguiu entender melhor a visão do filósofo Nietzsche.

Daniel Ngovene disse...

Boa tarde li o texto
Optima
Gostaria aprofundar o conhecimento sobre este filosofo