sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

TRAÇOS BIOGRÁFICOS

"...Sim já sei de onde venho...tudo o que tocam as minhas mãos se torna luz e o que lanço não é mais do que carvão. Certamente, sou uma chama!" - Nietzsche, 1888

Vida de cigano

Quem o conheceu naquela época, entre 1880-90, não deixou de se comover ao vê-lo. Friedrich Nietzsche, devastado por uma miopia de 15 graus, andava como que às cegas, tateando com as mãos ou com a bengala o perigoso espaço embaçado que imaginava na sua frente. Desde que o aposentaram precocemente aos 34 anos da Universidade de Basiléia na Suíça, deu-se a ter uma vida de pobre cigano, arrastando-se de pensão em pensão, de quarto em quarto, por cidades italianas (Gênova, Veneza, Sorrento, Turim), francesas, (Nice) ou recantos suíços (como Sils-Maria). Se bem que nascido em Röcken, em 15 de outubro de 1844, no coração da Saxônia, pode-se dizer que Nietzsche passou seu tempo de adulto mais fora do que dentro da Alemanha.

O pai, um pastor, parece que talentoso, um monarquista convicto e preceptor de princesas, batizou-o com o nome dos reis prussianos - Frederico. Deu-lhe o nome e infelizmente também lhe legou uma estranhíssima doença. Era isso que o fazia agora, homem feito, ver-se jogado na cama por dias a fio torturado por pavorosas enxaquecas, seguidas de eternas indisposições estomacais e tonturas de toda ordem.

Uma só escassa paixão

Foi este estado lastimoso que fez com que uma sua conhecida Malwida von Meysenburg, uma dedicada senhora casamenteira, não parasse de arranjar-lhe encontros com umas moças que passavam por seu salão. Era uma luta arrancar aquele misógino do fundo da pensão em que estivesse para que fosse dar uma passeio com alguma daquelas prometidas.

Por uma pelo menos ele se interessou - dizem que chegando à paixão - uma jovem russa que vivia no Ocidente chamada pelo exótico nome de Lou Salomé e por quem ele, inutilmente, se entusiasmou por uns oito meses no ano de 1882. Ela, mais tarde, casou-se com o poeta Rainer Maria Rilke, e também freqüentou Freud, de quem se tornou discípula.

Wagner decepcionou Nietzsche

Seu melhor momento de relacionamento foi com Richard Wagner e com a mulher dele, Cosima, quando freqüentou assiduamente, em peregrinações de fim de semana, a mansão do compositor em Tribschen, na Suíça. Amizade que começou a desmoronar em 1878 quando farejou no grande mestre sinais de concessões ao gosto popular e acenos indiscretos ao cristianismo, religião a qual ele devotou um ódio crescente. Ao Cristianismo e à idéia da Igualdade!

Wagner, um egocêntrico assumido, queria que o iniciante Nietzsche (era trinta anos mais jovem que o compositor) fosse uma espécie de arauto das suas óperas e não um intelectual independente que "caminhasse junto a ele". Nietzsche, anos depois, disse que os dois, ele e Wagner, eram dois barcos navegando na mesma direção, encontrando-se aqui e ali, mas com rotas diferentes, e que se não se davam bem entre as águas, seguramente o fariam quando se encontrassem num outro lugar. Nos céus!

Um notável escritor

Durante mais de dez anos aquele esquisito professor alemão, que chamava a atenção das pessoas por andar com um bigodão de cossaco, trancado com seus livros e papéis em aposentos soturnos, dedicou-se a produzir candentes escritos contra tudo o que era estabelecido e até mesmo o que consideravam não convencional (como o socialismo e o feminismo). Poucos deixam de ler uma página de Nietzsche sem uma forte impressão - a favor ou contra. E que escrita! Ninguém como ele empunhara o alemão assim, a marteladas.

Um pensador impressionista

Nada de sistema ou de portentosos tratados, nenhum pedantismo caracteriza os escritos de Nietzsche. Ao contrário, redigiu versos, aforismos, uma prosa de parágrafos curtos, frases secas, certeiras, com extraordinária carga emocional. Realizou uma façanha - era o primeiro pensador moderno da Alemanha a abominar a paixão nacional pelo texto obscuro (religiosamente respeitada pelos intelectuais alemães). Viu-se na pele de um novo profeta: um Zaratustra, o velho mago iraniano, renascido bem no meio da Europa Ocidental. Alguém que vinha anunciar a todos que uma Nova Ordem adviria. E nela, malgrado os crentes, Deus não mais existia! O próprio homem como conhecíamos, desapareceria.

O super-homem

Se foramos em algum dia remoto, como Charles Darwin sugerira, um macaco, o homem de agora era uma ponte, uma passagem para um outro devir a ser: o do Übermensh, o super-homem. Liberto dos entraves do bem e do mal, este novo ser, um titã, um colosso egocêntrico, viria para a conquista futura do mundo. Uma nova raça de homens, recuperando e restaurando as autênticas e primitivas pulsões (bárbaras, violentas, extremadas) sufocadas pela moral convencional e pela religião, levaria tudo de roldão.

Loucura e morte

Paradoxalmente, disse num certo momento, que não queria discípulos. Era serio? Teve-os aos magotes. Endoidou de vez em Turim, em janeiro de 1889, quando acharam-no aos prantos abraçado num cavalo espancado. Durante os dez anos restantes afundou-se numa densa névoa. Morreu na pequena Weimar, a capital cultural da Alemanha, no dia 25 de agosto de 1900. A sua irmã mais nova Elizabeth recolhera-o para lá em 1897, entendendo de que somente o sítio de Goethe era suficientemente ilustre para acolher em seus últimos dias o famoso e infeliz irmão louco.

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